Balada das arquivistas

Vinicius de Moraes

Oh jovens anjos cativos Que as asas vos machucais Nos armários dos arquivos! Delicadas funcionárias Designadas por padrões Prisioneiras honorárias Da mais fria das prisões É triste ver-vos, suaves Entre monstros impassíveis Trancadas a sete chaves: Oh, puras e imarcescíveis! Dizer que vós, bem-amadas Conservai-vos impolutas Mesmo fazendo a juntada De processos e minutas! Não se amargam vossas bocas De índices e prefixos Nem lembram os olhos das loucas Vossos doces olhos fixos. Curvai-vos para colossos Hollerith, de aço hostil Como se fora ante moços Numa pavana gentil. Antes não classificásseis Os maços pelos assuntos Criando a luta de classes Num mundo de anseios juntos! Enfermeiras de ambições Conheceis, mudas, a nu O lixo das promoções E das exonerações A bem do serviço público. Ó Florences Nightingale De arquivos horizontais: Com que zelo alimentais Esses eunucos letais Que se abrem com chave yale! Vossa linda juventude Clama de vós, bem-amadas! No entanto, viveis cercadas De coisas padronizadas Sem sexo e sem saúde... Ah, ver-nos em primavera Sobre papéis de ocasião Na melancólica espera De uma eterna certidão! Ah, saber que em vós existe O amor, a ternura, a prece E saber que isso fenece Num arquivo feio e triste! Deixai-me carpir, crianças A vossa imensa desdita Prendestes as esperanças Numa gaiola maldita. Do fundo do meu silêncio Eu vos incito a lutardes Contra o Prefixo que vence Os anjos acorrentados E ir passear pelas tardes De braço com os namorados.