Da fidelidade

Vinicius de Moraes

Há alguma coisa maior que nós mesmos que é a fidelidade a nós mesmos  Flor espantosa que vive das águas cáusticas e das terras apodrecidas da prodigiosa extensão humana.  É a sua santidade que eu quero fazer nascer destas palavras de ritmo obscuro  E neste momento mesmo é talvez a sua inocência que eu violento com os meus dedos mártires que a desejariam sangrando.  Ela nasce desse instante supremo em que o homem que viu a verdade sente que a sua simplicidade trágica nada poderá contra ele  Ele que é como o país que vê a guerra no pássaro de arribação que se pousou da grande viagem sobre o seu pavilhão estendido.  Não existe talvez nada mais belo que a miséria que habita essa alma que nós mostramos como um pavilhão estendido ao pássaro peregrino  E talvez nada mais horrível que essa guerra que se vê nascer subitamente das entranhas da nossa miséria  A fidelidade é como o amor da miséria pelo eterno viajante sereno  É como um homem que à força de contemplar um rio é por sua vez comtemplado por ele.  Se é que há um lugar de Deus em cada criatura nada será fidelidade senão a fidelidade à falta de Deus neste lugar  Aos sentimentos e nunca à verdade porque a verdade é o símbolo do absoluto e o absoluto é a morte do homem.  Ai de mim! talvez eu devesse morrer porque eu digo as palavras da fé com gestos de inteligência.  Fidelidade, lírio, anjo, mar de pureza!