Salta como um fauno puro ou um sapo…

Vinicius de Moraes

Salta como um fauno puro ou um sapo miraculoso por entre os raios do sol frenético  Distribuindo alegres e bem-soantes palavrões para protestantes e católicos  Urina sobre as escadarias dos templos porque ali os mendigos se sentam  E cospe sobre todos os que se proclamaram miseráveis.  Canta, canta demais! Nada há como o amor para matar a vida  Amor que é bem o amor da inocência primeira.  Canta! O coração da Donzela restado da carne ficará queimando eternamente a amiga morta  Para o horror dos monges, dos cortesãos, dos caftens, das prostitutas e dos pederastas.  Transforma-te por um segundo num mosquito gigantesco e passeia sobre as grandes cidades  Espalhando o terror por toda a parte onde pousem as tuas impalpáveis antenas  Lega aos cínicos o cinismo, aos covardes a covardia, aos avaros a avareza  E injeta-os de pureza para que eles apodreçam como porcos mordidos por  [serpentes.  E com toda essa lama faz um poema puro - faz e deixa-o  Como o velho de Sindbad ele há de saltar às custas dos que foram passando  Há de estrangulá-los, vencê-los, aniquilá-los misteriosamente  Como o branco fantasma da sua podridão e da sua mentira.  Canta! Canta porque cantar é a missão do poeta  E dança porque dançar é o destino da pureza  Para os cemitérios e os lares faz o teu gesto obsceno  Carne morta na carne viva, basta! falo eu que sou um.