Soneto da Ilha

Vinicius de Moraes

Quarta feira de cinzas, Niterói Eu deitava na praia, a cabeça na areia  Abria as pernas aos alísios e ao luar  Tonto de maresia; e a mão da maré cheia  Vinha coçar meus pés com seus dedos de mar.  Longos êxtases tinha; amava a Deus em ânsia  E a uma nudez qualquer ávida de abandono  Enquanto ao longe a clarineta da distância  Era também um mar que me molhava o sono.  E adormecia assim, sonhando, vendo e ouvindo  Pulos de peixes, gritos frouxos, vozes rindo  E a lua virginal arder no plexo  Estelar, e o marulho das ondas sucessivas  Da monção, até que alguma entre as mais vivas  Mansa, viesse desaguar pelo meu sexo.   Niterói, 1941.