Desde sempre

Vinicius de Moraes

Na minha frente, no cinema escuro e silencioso Eu vejo as imagens musicalmente rítmicas Narrando a beleza suave de um drama de amor. Atrás de mim, no cinema escuro e silencioso Ouço vozes surdas, viciadas Vivendo a miséria de uma comédia de carne. Cada beijo longo e casto do drama Corresponde a cada beijo ruidoso e sensual da comédia Minha alma recolhe a carícia de um E a minha carne a brutalidade do outro. Eu me angustio. Desespera-me não me perder da comédia ridícula e falsa Para me integrar definitivamente no drama. Sinto a minha carne curiosa prendendo-me às palavras implorantes Que ambos se trocam na agitação do sexo. Tento fugir para a imagem pura e melodiosa Mas ouço terrivelmente tudo Sem poder tapar os ouvidos. Num impulso fujo, vou para longe do casal impudico Para somente poder ver a imagem. Mas é tarde. Olho o drama sem mais penetrar-lhe a beleza Minha imaginação cria o fim da comédia que é sempre o mesmo fim E me penetra a alma uma tristeza infinita Como se para mim tudo tivesse morrido. ---