Tarde de Outono

Álvares de Azevedo

Un souvenir heureux est peut-être sur terre Plus vrai que le bonheur. Alfred de Musset O Poeta: Oh! Musa, por que vieste, E contigo me trouxeste A vagar na solidão? Tu não sabes que a lembrança De meus anos de esperança Aqui fala ao coração? A Saudade: De um puro amor a lânguida Saudade É doce como a lágrima perdida Que banha no cismar um rosto virgem, Volta o rosto ao passado, e chora a vida. O Poeta: Não sabe o quanto dói Uma lembrança quye rói A fibra que adormeuceu?... Foi neste vale que amei, Que a primavera sonhei, Aqui minha alma viveu. A Saudade: Pálidos sonhos no passado morto É dove reviver mesmo chorando. A alma refez-se pura. Um vento aéreo Parece que de amor nos vai roubando. O Poeta: Eu vejo ainda a janela Onde à tarde junto dela Eu lia versos de amor... Como eu vivia d’enleio No bater daquele seio, Naquele aroma de flor! Creio vê-la inda formosa, Nos cabelos uma rosa, De leve a janela abrir... Tão bela, meu Deus, tão bela! Por que amei tanto, donzela, Se devias me trair ? A Saudade: A casa está deserta. A parasita Das paredes estala a negra cor. Os aposentos o ervaçal povoa. A porta é franca... Entremos, trovador! O Poeta: Derramai-vos, prantos meus! Dai-me prantos, ó meu Deus! Eu quero chorar aqui! Em que sonhos de ebriedade No arrebol da mocidade Eu nesta sombra dormi! Passado, por que murchaste? Ventura, por que passaste Degenerando em Saudade? Do estio secou-se a fonte, Só ficou na minha fronte A febre da mocidade. A Saudade: Sonha, Poeta, sonha! Ali sentado No tosco assento da janela antiga, Apóia sobre a mão a face pálida, Sorrindo - dos amores à cantiga. O Poeta: Minha alma triste se enluta, Quando a voz interna escuta Que blasfema da esperaçança, Aqui tudo se perdeu, Minha pureza morreu Com o enlevo de criança! Ali amante ditoso, Delirante, suspiroso, Eflúvios dela sorvi. No seu colo eu me deitava... E ela tão doce cantava! De amor e canto vivi! Na sombra deste arvoredo Oh! quantas vezes a medo Nossos lábios se tocaram! E os seios onde gemia Uma voz que amor dizia, Desmaiando me apertaram! Foi doce nos braços teus, Meu anjo belo de Deus, Um instante do viver! Tão doce, que em mim sentia Que minhalma se esvaía E eu pensava ali morrer! A Saudade: É berço de mistério e dharmonia Seio mimoso de adorada amante. A alma bebe nos sons que amor suspira A voz, a doce voz de uma alma errante. Tingem-se os olhos de amorosa sombra, Os lábios convulsivos estremecem, E a vida foge ao peito ... apenas tinge As faces que de amor empalidecem. Parece então que o agitar do gozo Nossos lábios atrai a um bem divino: Da amante o beijo é puro como as flores E a voz dela é um hino. Dizei-o vós, dizei, ternos amantes, Almas ardentes que a paixão palpita, Dizei essa emoção que o peito gela E os frios nervos num espasmo agita. Vinte anos! como tens doirados sonhos! E como a névoa de falaz ventura Que se estende nos olhos do Poeta Doira a amante de nova formosura! O Poeta: Que gemer! não me enganava? Era o anjo que velava Minha casta solidão? São minhas noites gozadas, As venturas tão choradas Que vibram meu coração? É tarde, amores, é tarde; Uma centelha não arde Na cinza dos seios meus...