Consuelo

Castro Alves

A D. AGNESE, NUNCA LESTE — Consuelo —, a página fulgente Que George Sand, a loura, encheu de encanto e luz? Este sonho onde o céu, da terra passa rente... Onde o amor, a harmonia e a graça brincam nus?... Vem! Dá-me tua mão... voemos a Sorrento! Por barco — a fantasia! Por flâmula — teu véu! Seja o cabelo negro — a vela solta ao vento... Vem comigo sonhar a Itália... a noite... o céu! ... A Itália! a Itália santa! a pátria peregrina... Do Artista e do Poeta o mágico país. Onde na terra o amor chamou-se — Fornarina, Lá onde o amor no céu chamou-se Beatriz! Terra que deu à luz a cavatina e a dália. A espádua de alabastro e o laranjal em flor; Onde o sopro da noite em pleno céu espalha As lavas do Vesúvio e as explosões do amor. ............................................... Vem comigo Formosa! A sombra vai profunda Dos astros o cardume a trecho aclara o mar O tardo gondoleiro o remo nágua afunda... Veneza — o cisne eterno — engolfa-se a sonhar! Do nicho da Madona o frouxo alampadário Dos Doges alumia o lúgubre frontal. Silêncio. Quebra a paz a voz do estradivário E uma gôndola passa em águas do canal... Dentro o grupo do amor! Fusão de primaveras; Dois risos soletrando o verbo do beijar. Ventura que produz a inveja das esferas, E que faz de ciúme os anjos descorar. O crente — ao pé da Santa! o riso — junto à boca. Um anelar — sem termo! um fulgurar — sem fim! Ela?!... bela a fazer a terra inteira louca Alma feita de um astro!... e o corpo de um jasmim. Ó divina Consuelo! a vaga do Adriático Fez-te talvez nascer dum beijo dado ao sol. A espuma foi teu berço, Alcíone simpático... Tens por irmãos - o cisne, o amor e o rouxinol. O amor, que açula o riso ao lábio da Francesa, Que dá filtros fatais à filha de Madri, Que mais lânguida torna a pensativa Inglesa, A Grega mais audaz! mais indolente a Huri! O amor na Italiana estala em harmonia... Sobe ao lábio tremente... espalha-se no céu! Amor não é palavra, amor é melodia! Não há música assim como dizer: "Sou teu!" E o seio que palpita a rebentar a seda... E a garganta do cisne a desmaiar o alvor... E a trança a descair... e a mão que a trança arreda... Anzoleto a seus pés... as trevas em redor... A divina Consuelo, em face à noite imensa, No gesto dominando as fúrias do escarcéu Na voz clara, sonora, ardente, larga, extensa, — Escada de Jacó — prendia a terra ao céu! ... II Horas de amor, por que voais tão cedo? Êxtases santos, por que assim passais? Plantam-se risos no fatal rochedo, Vinga a seara dos sombrios ais. Um dia a fronte já não surge vívida... Aperta o seio em desespero a mão... — Que foi? — pergunta-se à criança lívida. Ai! não respondas, Consuelo, não! Apanha a essência destas fundas mágoas Concentra o fogo nos teus seios nus. Na gruta — mudam-se em cristal as águas, No abismo — a lava se transforma em luz. Palor e pranto, desespero e choro!... Como no gênio esta coroa diz!... Desta cicuta vais fazer um louro!... Caíste mártir! e te ergueste... atriz! III Passou pela terra, tão casta e nitente, Qual raio de lua que bate no gelo, O Sânzio invejara-lhe a fronte inocente, Por isso chamavam-na: A pura Consuelo! E tinha nos olhos fulgor de meteoros, Um céu de procela no escuro cabelo, Da aurora lavada nos pálidos raios, A musa da Itália Tu eras, Consuclo! Cantava! Sua alma saía-lhe em notas... Mistério! Milagre... quem pode sabê-lo? As ninfas outrora mudavam-se em flores, Em lira tornara-se A triste Consuelo. Cruzavam-Ihe o canto sussurros de arcanjo, Suspiros de Laura, delírios de Otelo... Se os raios da lua de sons se fizessem, Talvez que lembrassem A voz de Consuelo. Mas, ai! que não acha na estrofe o poeta Lampejos de um gênio tão fúlgido e belo. Que versos espelham-te, é flor de Veneza? Quem pode lembrar-te, Divina Consuelo. Só vós, bela diva! da música aos trenas, Meu pádido sonho podeis aquecê-lo. Afogue-se a musa nas árias brilhantes!... E, se inda tu queres Sonhar Consuelo ... Coas mão no piano, co’os olhos no espaço, Trementes os seios, revolto o cabelo... Num mar de harmonia nos leva a Sorrento!... Desperta-me a Itídia! Revive Consuelo!