"FAZEM HOJE muitos anos
Que de uma escura senzala
Na estreita e lodosa sala
Arquejava ua mulher.
Lá fora por entre as urzes
O vendaval sestorcia...
E aquela triste agonia
Vinha mais triste fazer.
"A pobre sofria muito.
Do peito cansado, exangue,
Às vezes rompia o sangue
E lhe inundava os lençóis.
Então, como quem se agarra
Às últimas esperanças,
Duas pávidas crianças
Ela olhava... e ria após.
"Que olhar! que olhar tão extenso!
Que olhar tão triste e profundo!
Vinha já de um outro mundo,
Vinha talvez lá do céu.
Era o ralo derradeiro.
Que a lua, quando se apaga,
Manda por cima da vaga
Da espuma por entre o véu.
"Ainda me lembro agora
Daquela noite sombria,
Em que ua mulher morria
Sem rezas, sem oração!...
Por padre — duas crianças...
E apenas por sentinela
Do Cristo a face amarela
No meio da escuridão.
"As vezes naquela fronte
Como que a morte pousava
E da agonia aljofrava
O derradeiro suor...
Depois acordava a mártir,
Como quem tem um segredo...
Ouvia em torno com medo,
Com susto olhava em redor.
"Enfim, quando noite velha
Pesava sobre a mansarda,
E somente o cão de guarda
Ladrava aos ermos sem fim,
Ela, nos braços sangrentos
As crianças apertando,
Num tom meigo, triste e brando
Pôs-se a falar-lhes assim:
(Continua no poema Último Abraço, arquivo seguinte)