O poeta e a rosa

Vinicius de Moraes

( E com direito a passarinho)  Ao ver uma rosa branca  O poeta disse: Que linda!  Cantarei sua beleza  Como ninguém nunca ainda!  Qual não é sua surpresa  Ao ver, à sua oração  A rosa branca ir ficando  Rubra de indignação.  É que a rosa, além de branca  (Diga-se isso a bem da rosa...)  Era da espécie mais franca  E da seiva mais raivosa.  - Que foi? - balbucia o poeta  E a rosa; - Calhorda que és!  Pára de olhar para cima!  Mira o que tens a teus pés!  E o poeta vê uma criança  Suja, esquálida, andrajosa  Comendo um torrão da terra  Que dera existência à rosa.  - São milhões! - a rosa berra  Milhões a morrer de fome  E tu, na tua vaidade  Querendo usar do meu nome!...  E num acesso de ira  Arranca as pétalas, lança-as  Fora, como a dar comida  A todas essas crianças.  O poeta baixa a cabeça.  - É aqui que a rosa respira...  Geme o vento. Morre a rosa.  E um passarinho que ouvira  Quietinho toda a disputa  Tira do galho uma reta  E ainda faz um cocozinho  Na cabeça do poeta.