Solilóquio

Vinicius de Moraes

Talvez os imensos limites da pátria me lembrem os puros E amargue em meu coração a descrença. Sinto-me tão cansado de sofrer, tão cansado! — algum dia, em alguma parte Hei de lançar também as âncoras ardentes das promessas Mas no meu coração intranquilo não há senão fome e sede De lembranças inexistentes. O que resta da grande paisagem de pensamentos vividos Dize, minha alma, senão o vazio? São verdades as lágrimas, os estremecimentos, os tédios longos As caminhadas infinitas no oco da eterna voz que te obriga? E no entanto o que crê em ti não tem o teu amor aprisionado Escravo de fruições efêmeras... Ah, será para sempre assim... o beijo pouco do tempo Na face presa da eternidade E em todos os momentos a sensação pobre de estar vivendo E ter em si somente o que não pode ser vivido E em todos os momentos a beleza, e apenas Num só momento a prece... Nunca me sorrirão vozes infantis no corpo, e quem sabe por tê-las Muito ardentemente desejado... Talvez os limites da pátria me lembrem os puros e enlouqueça Em mim o que não foi da carne conquistado. Muitas vezes hei de me dizer que não sou senão juventude No seio do pântano triste. Quero-te, porém, vida, súplica! o medo de mim mesmo Não há na minha saudade. É que dói não viver em amor e em renúncia Quando o amor e a renúncia são terras dentro de mim E uma vez mais me deitarei no frio, guia de luz perdido Sem mistérios e sem sombra. Bem viram os que temeram a minha angústia e as que se disseram: — Ele perdeu-se no mar! No mar estou perdido, sem céu e sem terra e sem sede de água E nada senão minha carne resiste aos apelos do ermo... O que restará de ti, homem triste, que não seja a tua tristeza Fruto sobre a terra morta... Não pensar, talvez... Caminhar ciliciando a carne Sobre o corpo macerado da vida Ser um milhão na mesma cidade desabitada E sendo apenas um, ir acordando o amor e a angústia E da inquietação vinda e multiplicada, arrancar um riso sem força Sobre as paisagens inúteis. Mas, oh, saber... — saber até o fundo do conhecimento Sobre as aves e os lírios! Saber a pureza bailando no pensamento como um gênio perfeito E na alma os cantos límpidos e os voos de uma poesia! E nada poder, nada, senão ir e vir como a sombra do condenado Pelo silêncio em escuta... E não sou um covarde... — sofro pelas manhãs e pelas tardes E pelas noites desvaneço... No entanto, é covarde que me sinto no olhar dos que me amam E no prazer que arranco cem vezes da carne ou do espírito que quero Ai de mim, tão grande, tão pequeno... — e quando o digo intimamente! E em ambos, sem pânico... E me pergunto: Serei vazio de amor como os ciprestes No seio da ventania? Serei vazio de serenidade como as águas no seio do abismo Ou como as parasitas no seio da mata serei vazio de humildade? Ou serei o amor eu mesmo e a calma e a humildade eu mesmo No seio do infinito vazio? E me pergunto: O que é o perigo, onde a sua fascinação profunda E o gosto ardente de morrer? Não é a morte o meu voto murmurante Que caminha comigo pelas estradas e adormece no meu leito? O que é morrer senão viver placidamente Na imutável espera? Nada respondo — nada responde o desespero Solidão sem desvario. Mas resta, resta a ânsia das palavras murmuradas ao vento E a emoção das visões vividas no seu melhor momento Resta a posse longínqua e em eterna lembrança Da imagem única. Resta?... Já me disse blasfêmias no âmago do prazer sentido Sobre o corpo nu da mulher Já arranquei de mim mesmo o sumo da sabedoria Para fazê-lo vibrar dolorosamente à minha vontade E no entanto... posso me glorificar de ter sido forte Contra o que sempre foi? Hão de ir todos, todos, para as celebrações e para os ritos Ficarei em casa, sem lar Hei de ouvir as vozes dos amantes que não se entediam E dos amigos que não se amam e não lutam As portas abertas, à espera dos passos do retardatário Não receberei ninguém. Talvez nos imensos limites da pátria estejam os puros E apenas em mim o ilimitado... Mas oh, cerrar os olhos, dormir, dormir longe de tudo Longe mesmo do amor longe de mim! E enquanto se vão todos, heróicos, santos, sem mentira ou sem verdade Ficar, sem perseverança...