Ahasverus e o Gênio

Castro Alves

ao poeta e amigo J. Felizardo Júnior Sabes quem foi Ahasverus?...— o precito, O mísero Judeu, que tinha escrito Na fronte o selo atroz! Eterno viajor de eterna senda... Espantado a fugir de tenda em tenda, Fugindo embalde à vingadora voz! Misérrimo! Correu o mundo inteiro, E no mundo tão grande... o forasteiro Não teve onde... pousar. Coa mão vazia — viu a terra cheia. O deserto negou-lhe — o grão de areia, A gota dágua — rejeitou-lhe o mar. DÁsia as florestas — lhe negaram sombra A savana sem fim — negou-lhe alfombra. O chão negou-lhe o pó!... Tabas, serralhos, tendas e solares... Ninguém lhe abriu a porta de seus lares E o triste seguiu só. Viu povos de mil climas, viu mil raças, E não pôde entre tantas populaças Beijar uma só mão ... Desde a virgem do Norte à de Sevilhas, Desde a inglesa à crioula das Antilhas Não teve um coração! ... E caminhou!... E as tribos se afastavam E as mulheres tremendo murmuravam Com respeito e pavor. Ai! Fazia tremer do vale à serra... Ele que só pedia sobre a terra — Silêncio, paz e amor! — No entanto à noite, se o Hebreu passava, Um murmúrio de inveja se elevava, Desde a flor da campina ao colibri. "Ele não morre", a multidão dizia... E o precito consigo respondia: — "Ai! mas nunca vivi!" — O Gênio é como Ahasverus... solitário A marchar, a marchar no itinerário Sem termo do existir. Invejado! a invejar os invejosos. Vendo a sombra dos álamos frondosos... E sempre a caminhar... sempre a seguir... Pede ua mão de amigo — dão-lhe palmas: Pede um beijo de amor — e as outras almas Fogem pasmas de si. E o mísero de glória em glória corre... Mas quando a terra diz: — "Ele não morre" Responde o desgraçado: — "Eu não vivi!..."